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Em nome de Deus, do progresso e da ciência: apropriação fotográfica em ¿História Natural? de Rosana Paulino

Apesar do consenso crítico sobre o caráter seminal das obras de Rosana Paulino para a arte brasileira contemporânea e do número crescente de textos publicados sobre a artista na última década, ainda não foram devidamente analisadas as maneiras pelas quais Paulino se apropriou de fotografias representando de sujeitos negros escravizados no Brasil, apesar dessas imagens serem o elemento central de suas obras mais renomadas, como Assentamento (2013), ¿História Natural? (2016) e Geometria à brasileira (2018).

Paulino foi a primeira artista brasileira a se apropriar de fotografias retratando a escravidão no país para questionar o papel desempenhado pelo racismo científico na elaboração de representações pejorativas de indivíduos negros. Por meio de sua prática, há trinta anos, Paulino reivindica o reconhecimento dos laços históricos que a sociedade brasileira manteve com a escravidão e seus legados, visando a implementação das reparações necessárias para moldar um futuro melhor para a população negra no país.

O livro de artista ¿História Natural? – uma de suas obras mais ambiciosas – foi criado nos anos 2010, quando Paulino se concentrou sobretudo em abordar como a dita ciência racial exerceu um papel central na constituição de representações degradantes de indivíduos negros. Nesse período, Paulino se posicionou notoriamente contra Louis Agassiz – naturalista, geólogo e professor de Harvard, nascido na Suíça e naturalizado estadunidense –, cujas teorias científicas impactaram negativamente e de forma duradoura a questão racial no Brasil. Como tantos outros artistas e cientistas viajantes, Agassiz veio ao Brasil durante o século 19 para estudar a fauna, flora e a população brasileira fruto da miscigenação racial. Essas imagens constituem parte das chamadas coleções Brasilianas que constituíram os pilares da identidade brasileira por muitas décadas.

Todas as fotografias apropriadas por Paulino em ¿História Natural? mostram pessoas negras escravizadas, cujos registros foram produzidos sem consentimento por Augusto Stahl, Christiano Júnior e Alberto Henschel, fotógrafos europeus que fixaram residência e desenvolveram parte significativa de suas práticas profissionais no Brasil. Partindo de uma base teórica e metodológica multidisciplinar, este estudo propõe uma análise aproximada sobre como Paulino transformou a materialidade dessas fotografias apropriadas, fornecendo-lhes camadas adicionais de significados e efeitos. Neste sentido, objetiva-se compreender mais profundamente como Paulino confronta com os limites práticos, os riscos éticos e as possibilidades estéticas de retratar a escravidão e seus legados nos dias de hoje.

Pesquisador

Resumo